O Transtorno do Déficit da Atenção e Hiperatividade (TDAH), classificado como um transtorno do neurodesenvolvimento, continua sendo mal compreendido. Discussões sobre a existência de um quadro clínico específico ainda ocorrem, provavelmente decorrente da dificuldade em distingui-lo de outros transtornos que também apresentam a desatenção como parte de sua sintomatologia.
Avanço científicos vêm refinando o entendimento do TDAH, com respaldos objetivos das técnicas de neuroimagem estrutural/funcional e da neuropsicologia, que retratam o funcionamento através de correlatos cérebro-comportamento. Déficits atencionais são decorrentes de uma imensa diversidade de situações e o rastreamento de padrões neurofuncionais tem sido alvo de pesquisas que atualmente não deixa dúvida sobre o fato de o TDAH ser um transtorno neurológico. Pelo menos 5 regiões cerebrais estão associadas ao TDAH (figura 1), envolvendo circuitos dopaminérgicos (figura 2) e noradrenérgicos (figura 3).
O volume da substância cinzenta no cérebro de portadores de TDAH é entre 3-10% menor quando comparado às pessoas sem o transtorno, e, estruturas subcorticais (substância branca) também apresentam imaturidade neuronal. O nível de desenvolvimento cerebral corresponde a 2-3 anos de atraso em relação ao cérebro de crianças e adolescentes não portadores. Apesar do volume cerebral se normalizar com a idade, as funções corticais e ligações subcorticais só apresentam melhora na vida adulta em poucos casos.
Estudos genéticos também já demostraram que há mutações específicas observadas em portadores de TDAH, tornando-o um transtorno de forte origem biológica, tanto genética quanto neurológica. Os genes envolvidos no TDAH estão intimamente relacionados à programação do desenvolvimento de certas áreas e circuitarias cerebrais. Cerca de 60-70% dos casos de TDAH ocorrem devido à herança/mutações genéticas, outros 20-25% decorrem de complicações durante a gestação (uso de drogas, cigarro e álcool da mãe durante o período gestacional, infecções maternas, problemas no nascimento, prematuridade etc.) e os restantes 5-20% são ocasionados por injurias cerebrais que ocorrem depois do nascimento resultados de doenças, traumas cerebrais, tumores, acidente vascular ou intoxicação.
Não há evidencias de que o TDAH possa ser causado por fatores ambientais tais como o estilo parental e educacional. Obviamente tais fatores podem intensificar ou atenuar a manifestação dos sintomas (falaremos sobre este assunto numa outra oportunidade), mas não explicam a causa inicial do TDAH. O uso excessivo de televisão, computador e videogame também não pode ser entendido como causador do TDAH, apesar de existirem estudos que evidenciam que crianças que fazem uso de telas com maior frequência, especialmente iniciando o uso na idade pré-escolar, apresentam mais desatenção do que aqueles que não foram expostos a estes estímulos nessa faixa etária. O que ocorre é que crianças desatentas são mais facilmente fascinadas por telas, especialmente porque tais situações minimizam as dificuldades de relacionamento social, comumente presente no TDAH.
O uso de corantes alimentícios e açúcar não puderam ser bem relacionados cientificamente com a presença de sintomas de TDAH (exceto em pré-escolares). Da mesma forma, não se tem evidencias de que o uso de suplementos (ômega 3, ferro) auxiliem na redução da sintomatologia.
A participação de fatores sociais (condições socioeconômicas) também pode interferir na manifestação dos sintomas, já que podem ocasionar (ou não) o acesso ao tratamento e à educação adequada.
Resumidamente, o TDAH é um transtorno do desenvolvimento, que pode evoluir positivamente em cerca de 30% dos casos, mas que na grande maioria das vezes requer tratamento comportamental e medicamentoso associados, por ser um transtorno neurogenético.
Marina Stahl Merlin
Barkley, Russell. Managing ADHD in School: The Best Evidence-Based Methods for Teachers. PESI Publishing & Media. Edição do Kindle (2016).